Os piercings não são invenção dos nossos tempos. Abrão, ao
receber Rebeca para desposar seu filho Isaac, presentou a futura nora, entre
outros mimos, com um “anel de orelha de
ouro”. Um brinco.
Os brincos foram os primeiros piercings. Há evidências, contudo,
de que os piercings corporais, não apenas na orelha, mas nos lábios, nariz e
outras localizações já eram utilizados antes disso conforme se verifica em papiros
antigos, esculturas e pinturas em cavernas, além de outros objetos,
como achados arqueológicos. Isso não apenas no continente europeu, mas também
na cultura Inca, Maia, Asteca e nas
civilizações da Ásia e
Mediterrâneo.
Do ponto de vista arqueológico o uso desses artefatos simbolizavam “ritos de passagem”.
A primeira referência conhecida ao piercing no pênis está no
Kama Sutra, em seu segundo capítulo, atribuindo-lhe um grau de respeitabilidade
e credencial do usuário. Não há menção, no entanto, em que lugar isso era
inserido.
Em algumas tribos remotas de Bornéu está registrado o costume
de inserção de um fragmento de osso na glande peniana.
Nos tempos atuais, portanto, parece que a imaginação nessa
área (e a coragem e/ou insensatez) ganhou grandes asas. Muitos casos beiram o
masoquismo e a verificação de lesões irreversíveis, notadamente nas fístulas
uretrais causadas pelos dispositivos. Nas mulheres existe um movimento que vem
ganhando apoio no sentido de considerar o uso desses artefatos, geralmente
associados à circuncisão feminina como mutilação genital criminosa.
Recentemente vimos dois pacientes com esses artefatos,
vindos ao urologista em função de complicações.
Não se tem registro, em nenhum lugar do mundo, da real
quantidade de complicações desse tipo de procedimento. Na observação e relatos isolados, no entanto,
a infecção figura como a principal complicação vista. Não apenas a infecção
local que, geralmente, não apresenta muita dificuldade no tratamento, mas
também a infecção por hepatite B e C, além do HIV, talvez muito mais pelas
condições locais e de técnica da implantação desses dispositivos, do que por
eles mesmos.
Nosso primeiro caso tinha uma infecção uretral importante,
refratária aos antibióticos mais comuns que necessitou da retirada do
dispositivo e tratamento endovenoso com uma cefalosporina de 4ª. geração associada a um macrolídeo (antibiótico
específico) .
O outro caso era, porém, mais interessante. O paciente
manifestava seu desconforto com algumas protuberâncias bastante avantajadas ao
redor dos orifícios em que se inseria o dispositivo. Tratava-se de um quelóide,
um tipo de hiper-cicatrização verificada com certa frequência na população,
notadamente em alguns grupos e pessoas com predisposição a isso. Trata-se de
uma cicatriz hipertrófica, grande, volumosa, avermelhadas e de consistência emborrachada,
como as de uma cicatriz comum recente, com a desvantagem de não perder essa
coloração, volume e demais características com o passar do tempo. Muitas até
aumentam. Muitas lembram cicatrizes
finais de grandes queimaduras.
Complicado o tratamento desse paciente. Não há remédio como na infecção, nem a retirada do
dispositivo reverte o problema. O queloide, uma veze desencadeado, progride e
qualquer tentativa de ressecção (retirada cirúrgica) esbarra na grande
possibilidade da nova cicatriz enveredar pelo mesmo caminho, criando outro queloide.
Existem várias terapêuticas que são tentadas sem garantia de
êxito nesses casos. Desde a injeção de agentes como corticoides no local, compressão
local, oxigênio hiperbárico, radioterapia, terapias modernas e
experimentais com nanomoléculas de prata e até mesmo o LASER de CO2.
Não há tratamento
totalmente eficaz. Muitas vezes a remoção cirúrgica cuidadosa, seguida de algum
outro tratamento associado melhora o problema.
O excesso de cicatrização envolve a função dos fibroblastos e colágeno,
fibrilas e demais estruturas envolvidas na “teia” que sustenta a nossa pele e que é ativada quando a pele sofre uma
agressão como um corte, uma incisão cirúrgica, etc.
Medidas locais na área da estética, mesmo que baseadas em
procedimentos cientificamente úteis em outras situações não são de grande valia
nessa situação, conforme atesta a Bióloga especializada em Estética Luana Freato Berti Risso, habituada a
recuperação de pacientes com outros
problemas e pós operatório de intervenções na derme e epiderme. “Há uma reticência
muito grande em relação ao queloide e as técnicas atuais, fora do escopo
cirúrgico e/ou experimental”, frisa Luana.
Desse modo aguardamos o resultado do LASER de CO2, pulsátil
e em baixa potência utilizado nesse caso. Oportunamente voltaremos ao assunto.