quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Anti-aging, testosterona, vitaminas e o Harry Potter

Já há algum tempo, um amigo e cliente me assedia com perguntas sobre a minha opinião sobre alguns pontos relativos ao “não envelhecer”, à reposição hormonal e aparentes contradições do uso, digamos assim, à larga mano, da testosterona e seus derivados com finalidades de anti-aging, um  termo pomposo e modernoso, que, na minha opinião, fica muito perto da picaretagem, de uma Medicina  limítrofe, quase uma  para-medicina, para não ser mais deselegante. Respeito apenas a intenção de estudo, não o comércio que se faz, sem nenhuma evidência científica.
E não fujo (a quem quer que queira) a conversar profundamente sobre isso.  Comercial e tecnicamente, uma duplicidade, que por si só já não deveria existir, mas existe e posso confrontar.

Porque hoje, terça-feira de Carnaval de 2012, resolvi saciar a curiosidade do meu amigo?

A deixa veio pelo jornal. Um artigo relativamente longo e não-telegráfico, com direito a pequena chamada na primeira página do jornal de caráter nacional,   dá conta de resultados totalmente negativos em relação ao uso do Ômega-3 como um protetor contra o câncer.  Na mesma esteira outra informação de um  estudo, com mais de 7000 pessoas por uns bons cinco anos,  dando conta de que vitamina B diária também não protege contra acidentes cardiovasculares.

Oh!!!

A bem da verdade, esses estudos científicos, mesmo quando muito bem desenhados/projetados, são estudos epidemiológicos observacionais.  Observa-se uma população selecionada durante um período de tempo e se registra o que aconteceu. Ou,  mais especificamente, testa-se metade da população estudada que, por exemplo,  usa o Ômega-3 diariamente ou a vitamina B e outra metade que não o faz (idealmente, ninguém sabendo quem está usando ou não, idem os pesquisadores mais próximos das pessoas estudadas) e verifica-se ao final de algum tempo o quanto houve de câncer e morte por câncer ou eventos cardiovasculares, ou qualquer outra coisa em teste,  num grupo e no outro.

Belíssimo? 

Um sonoro NÃO. 

Em termos de pesquisa, esse tipo de estudo é mais ou menos comparável à situação insólita de se colocarem pessoas dentro de uma mansão escura, com  um telhado velho, sob forte aguaceiro e com muitas goteiras.  Não se sabe se aqueles que ficarem quietinhos,  de olhos bem  fechados e rezando em uma posição a direita ou a esquerda da casa vai manter-se  seco ou não ao final da tormenta.  Pode ser que uma  goteira enorme, desconhecida,  ao seu lado espirre tanta ou mais água e molhe você, participante do estudo, a partir do chão ou mesmo de cima,  escorrendo por um lustre ou uma viga da mansarda castigada pelo vendaval, enganando-nos totalmente.

Não se controlam outras variáveis. É muito difícil testar hipóteses isoladas. Não há controle com certeza. Os dados não se reproduzem na maioria das vezes. Pode ser que a presença ou ausência da vitamina  X ou Y não tenha sido tão importante quanto o zinco, o magnésio  ou seja lá o que for. Pode ser que muitos já tinham o câncer, indetectável, quando entraram para o estudo, num ou noutro grupo...

Poucos são os estudos que tem um direcionamento de evidência inicial já forte e robusto,  cuja observação, de uma população ao longo do tempo, possa confirmar o que, de antemão,  já se infere ou já se sabe uma verdade em sua parte, por outras pesquisas, por outras observações acumuladas. Exemplo disso é a doença coronariana.  O que entope a artéria é uma placa de gordura. As placas de gordura aparecem mais em quem tem níveis altos de lípides, esse e não aquele, mais esse e menos aquele. Então se observa uma cidade inteira por 10, 20 anos, (Framingham,UK,  no caso), controlando-se os níveis sanguíneos de colesterol, a pressão alta, diabetes, etc. e os achados se reproduzem,  você baixa o colesterol  de quem está em risco e também tem a expectativa confirmada de menos infartos e menos derrames cerebrais.
Agora, do nada,  tirar que comer brócolis que contém  X elemento em abundância pode deter o câncer assim ou assado...

Francamente, os pesquisadores que se dedicam a esse tipo de pesquisa,  “agulha no palheiro”, não estão entre aqueles de primeira linha, com maior nível de financiamento e/ou resultados práticos ou resultados essenciais que permitam que as pesquisas se desenrolem e se desdobrem efetivamente até o balcão da farmácia, o leito do hospital, o centro cirúrgico ou o receituário do seu médico, beneficiando você e a sociedade. .

Muito simples.  Descrever a AIDS foi trabalhoso, mas encontrar o vírus, os seus tipos, sua sequência foram passos essenciais para se começar a saber o que receitar para esses pacientes; senão para curá-los; para pelo menos fazer com que vivessem mais e mais,  antes de ficarem doentes e sucumbirem. Imagine se os melhores pesquisadores  do planeta, uma vez descrita a AIDS, tivessem partido para estudos populacionais para ver se um quilo de alho ingerido com vinagre e mais uns dez quilos de couve-flor não diminuiriam a atividade da doença ou mesmo a erradicariam...

Risível, não é?  Mas a sociedade é risível da mesma maneira quando fica esperando coisas tão maravilhosas e cartesianas para prevenir ou curar isso ou aquilo.  Para não envelhecer, para não ter esse ou aquele câncer.  É uma expectativa ridícula. Melhor assistir menos aos filmes do Harry Potter, abrir a janela e pensar um pouquinho.  Ou pensar muito e se informar mais.

Pesquisa científica médica  é uma rosa bem espinhenta, várias,  no meio de um salão eternamente escuro, com direito ao convívio com cactos mais espinhentos ainda, muitas falsas rosas e alguns animais peçonhentos, sequer imaginados por lady J.K. Rowllng na sua imaginosa saga dos bruxinhos, em seus sete famosos livros.

Muitos potenciais medicamentos descobertos levam décadas para que suas moléculas (o seu "corpo" sejam  vistas e enxergadas, se é que o são, na sua dimensão visual real.  Infere-se, muitas vezes, de uma substância, a  sua presença ou atividade,  por outras reações ou equações químicas. Vírus são detectados por mecanismos engenhosos de sondas que se atiram num verdadeiro “poço” microscópico e, se combinados, ativam um mecanismo radioluscente ou que consuma um outro reagente enzimático e assim por diante.  Remédios levam anos entre suas fases  de teste e, as vezes, só quando  já estão no mercado, usados por milhares e milhares de pacientes, é que sofrem o seu teste final. Uma dúzia ou duas de reações imprevistas em pacientes comuns, ao redor do mundo, que  não foram vistas nos 10 ou 20 mil voluntários (sadios ou pacientes extremamente doentes, sem alternativas) podem aparecer e determinar o caminho do lixo para o medicamento, sua retirada das prateleiras, sua  proscrição total (idem o investimento...).

De outro lado alguns medicamentos e/ou substâncias, na esteira dos “Harry Potter’s” da sociedade,  tornaram-se verdadeiras “Virgens de Vestal”. Puros e inatacáveis.  Inócuos e “naturais” (palavra chave e do momento).

Lêdo engano! 

Chá verde em excesso é  hepatotóxico. Chá de folha de maracujá pode matar,  pois contém cianeto. Ginkgo-biloba  interfere fortemente com a coagulação sanguínea, o que pode ser crucial numa cirurgia.  No polén de abelha pode se desenvolver com facilidade um fungo extremamente agressivo, além dos casos de forte alergia ao produto puro (até anafilaxia, notadamente em crianças). Vitamina A em excesso causa doença. Várias são as hiper-vitaminoses com consequências maléficas. 

De outro lado estão os comportamentos extremos, banir totalmente as gorduras da alimentação pode privar o seu organismo de várias vitaminas que são lipossolúveis e, desse modo,  só absorvíveis com uma mísera gordurinha na dieta...  Comer só “carne branca”, entenda-se aqui peixe e frango, pode também levar a algumas enrascadas. Ilusão idiota. Recentemente foram publicados alguns dados dando conta do aumento inusitado, nas últimas décadas, dos tumores germinativos (leia-se tumores de testículo e ovário) em gente jovem.  Pois bem, uma das hipóteses, de forte “indicação ao Oscar científico”, é de que algo anda "descendo goela abaixo" com hormônios a mais do que deveria...  Um pinto  vira um super frango, enorme, em 45 dias.  Paramos o assunto por aqui para não cansar a inteligência dos leitores.

Bom, e com a testosterona? 

Não é diferente. “O elixir da juventude” já foi obtido e utilizado  na Idade Média, à parte o teatro e rituais ridículos, com o consumo de testículos, mal-passados ou in natura,  de bodes e outros animais à mão. 

Deve receber quem precisa, não é “preventivo” de nada, pelo contrário, ninguém sabe o quão maléfica pode ser para determinado paciente pessoalmente. É o que se verificam com os anabolizantes, em última análise derivados da testosterona, sua principal mãe na "árvore química" dos esteróides. 
Aumenta a massa muscular?  Sim,  aumenta, mas pode golpear o fígado, pode atrofiar os testículos e a cessar a produção de espermatozoides e da própria testosterona natural do indivíduo, mexer com a mama masculina, afetar o sistema cardiovascular,  fomentar um câncer de próstata quiescente, acelerando o seu desenvolvimento e assim por diante.

Quem precisa de testosterona deve ser identificado pela dosagem baixa e pelos sintomas. Muita gente ao ganhar idade tem uma baixa nos seus níveis do hormônio, visto nos exames de laboratório, mas continua copulando a hora que quer, comanda empresas, diverte-se e vive normalmente, sem nenhum sintoma de deprivação ou insuficiência.

Quando juntamos níveis baixos, sintomas da sua falta e não identificamos contra-indicações  (próstata de risco,  deficiência hepática e renal, etc.) podemos repor a dita cuja, controlando efeitos benéficos e eventuais maléficios.

O mesmo se passa com as vitaminas. Identificada a sua deficiência, ou um estado em que sabidamente essa ou aquela vitamina, é ou será  necessária, seu uso deve ser encorajado e monitorado, do contrário, estamos voltando à Idade Média, quando acreditávamos na geração espontânea  fazendo nascer ratos num canto escuro do porão, com um pedaço de queijo e outro de pão velho, mais um bocadinho de umidade... 

Elixires maravilhosos, sangue de virgens e outras expectativas  muito próximas das indulgências que também se compravam nas igrejas...

Open your eyes and wake up!