quinta-feira, 19 de julho de 2012

AIDS - o começo do final está perto?

Hoje, dia 19 de julho de 2012,  o New England Journal of Medicine, uma das mais respeitadas revistas médicas do mundo (fator de impacto em 2011 – 53,9*) traz no seu principal editorial, assinado por Dr. Diane Havlir e Dr. Chris Beyrer,  a pergunta acima.



Não é para menos.

Em 2010 foram concluídos dois estudos de grande porte que apontaram favoravelmente para a profilaxia com anti-retrovirais com grande porcentagem de proteção contra a transmissão do HIV, o vírus da deficiência imunológica humana, causador da AIDS  (síndrome da imunodeficiência adquirida), o estágio de doença do HIV.

Por via oral e por via tópica, tal como um espermicida! (**).

Esses medicamentos,  semelhantes aos contidos no tratamentos, apelidados de “coquetéis” anti-retrovirais, utilizados no tratamento e prolongamento do período sem doença dos portadores do vírus podem evitar em proporção não total a transmissão do vírus.

Nessa semana o poderoso  FDA americano (Food and Drug Administration), ligado ao ministério da saúde dos Estados Unidos (National Health Institute) aprovou o seu uso ( nome comercial TAMAVIR).

O remédio ou a conduta não é uma panacéia ou um “passe livre” para a irresponsabilidade ou o “sexo inseguro e irresponsável”.  Mas é um passo concreto e muito importante, por exemplo, para pessoas que vivem um dilema de se relacionar com um(a) parceiro(a) fixo(a) e amado(a) “soro discordante”.

Muito simples de entender o "soro discordante". 

Um casal em que a mulher é soro positiva para o HIV ou o contrário, ou um casal de dois homens ou duas mulheres idem.
Um tem e outro não tem o vírus...

Usar camisinha para uma transa eventual protege muito contra um parceiro ou parceira eventual contaminado, que até nem sabe disso. Talvez nunca mais seja visto na vida de um ou de outro. Mas no caso de alguém próximo, de longa história, as coisas mudam. Amar, em todos os sentidos, quem sempre amamos, por anos, envolve uma convivência complicada. Por mais cuidadosa e sem renúncia, em todos os sentidos, nem sempre pode ser segura. São dramas existenciais e muito pessoais. Dramas de vida.

Esqueça o julgamento (indevido, diga-se) e a "moralidade de ocasião" enquanto na pele do outro.

Esqueça as contaminações irresponsáveis pelo sexo inseguro.

Há milhões de pessoas e de casais, numa situação assim, pelo mundo todo,  vítimas de transfusões, acidentes, contaminações profissionais e mesmo deslizes sexuais...

O assunto é muito mais amplo do que os nossos "óculos" pessoais podem enxergar!

As outras grandes esperanças citadas no editorial são uma vacina realmente promissora que vem sendo testada na Thailandia desde 2009 (**), a evidência clara de uma primeira cura de um paciente HIV-infectado e, mais importante, as evidências de que a terapia  anti-retroviral precoce possa melhorar não só o prognóstico e sobrevida normal do paciente, mas  evitar a transmissão do vírus com eficácia de até 96%. 

Esqueça o sexo, pense na transmissão mãe/ filho  (chamada "vertical" em Medicina).

No Brasil a notícia foi recebida com reticência  e a informação governamental inicial foi de que nada iria mudar em relação aos programas vigentes, que priorizam o sexo seguro e  a educação sexual para prevenir a infecção pelo HIV.

Criticável por um lado; compreensível pelo outro. No aspecto da saúde pública, no coletivo,  pela necessidade de estudos de impacto econômico e elegibilidade  (quem, quando e porque)  de uma eventual adoção dessa medida (profilaxia medicamentosa).

De outro lado, no aspecto individual, pelo medo de se incentivar, direta ou indiretamente, atitudes irresponsáveis diante do fato e da oportunidade. O velho otimismo ignorante.  

Mentes curtas  usam óculos “cor de rosa” e têm um “otimismo” de comportamento totalmente suicida...

Seguramente vamos voltar a assunto tão efusivo e palpitante.


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Notas

(*)
Fator de Impacto é um índice que monitora, realmente, o quão importante são os artigos médicos publicados em uma revista ou jornal científico. Seguem uma fórmula bastante elaborada de avaliação e acompanhamento da repercussão, significado, aplicação, citações, inovação, comprovação,  etc. de um determinado artigo e, no conjunto, dos artigos que aquele veículo publica.  Algumas publicações muito prestigiosas, como o European Urology, jornal oficial de Urologia da Europa tem um festejado FI de quase 9!

(**)
Estudos fundamentais no uso da profilaxia contra a transmissão do HIV

Grant RM, Lama JR, Anderson PL et al. Preexposure chemoprophylaxis for HIV prevention in men who have sex with men. N Engl J Med 2010; 363:2587-99.

Abdool Karim Q, Abdool Karim SS, Frohlich JA et al. Effectiveness and safety of tenofovir gel, an antiretroviral microbiocide, for the prevention of HIV infection in women. Science 2010; 329:1168-74

Nota do blogueiro  - acima você viu duas referências bibliográficas científicas. Não há segredo. Por convenção, na citação do trabalho, artigo científico, que você pode consultar na Biblioteca do Congresso Americano (o famoso PUBMED) , segue-se o seguinte:  Sobrenome e iniciais dos primeiros nomes  (exemplo João Aparecido Pereira -  Pereira JA). Os nomes vêm em sequência e na ordem. Geralmente os trabalhos, hoje em dia, têm muitos autores, até de diversos lugares. Podemos verificar o nome de todos no PUBMED, mas nas citações vão os primeiros e depois a expressão latina  “et al” – e outros ; e colaboradores...
Em seguida vem o nome do trabalho. O inglês é oficial. Ninguém perde tempo em discutir isso (desde a China, passando pelo Oriente Médio, de norte a sul). Depois do nome vem a abreviação do jornal científico. Por exemplo o New England Journal of Medicine  é apenas N Eng J Med. É outra padronização. Os números que se seguem são o ano da publicação, o número do volume da edição, a página inicial e a final. Nos dois casos acima  o primeiro artido do New England saiu em 2010, no volume 363, página inicial 2587 e página final 2599  (dois dígitos, 25, milhar e centena, idênticos, e economizados, abreviados). O outro saiu na Science (revistas com nomes curtos não são abreviados!) ano 2010, volume 329, página inicial 1168 e final 1174. Noutro post vou dar as dicas de como vemos a citação de  um livro ou capítulo de livro científico.


(***)
Rerks-Ngarm S, Pitisuttihum P, Nitayapham S et al. Vaccination with ALVAC and AIDSVAX to prevent HIV-1 infection in Thailand. N Engl J Med 2009; 361:2209-20.