quinta-feira, 23 de agosto de 2012

BOTULISMO - Um indicador de que algo (mais) não vai bem em nosso País.


Com alívio e orgulho o cidadão paulista viu a mobilização (habitual, diga-se com justiça) para salvar uma família vítima de botulismo alimentar em Santa Fé do Sul, uma cidade na fronteira do Estado. Instituições governamentais estaduais se mobilizaram para levar rapidamente o remédio aqui produzido, raro e de pouco uso, para uma intoxicação causada pelo Clostridium botulinum (e mais raramente pelas variantes: Clostridium butyricum ou C. baratti).

O botulismo já foi um problema de saúde pública na primeira metade do século passado. A doença está associada a comida conservada inadequadamente. Em sua forma máxima, o odor é forte e várias outras evidências visuais são bastante fáceis de identificar o alimento impróprio. Mesmo o tradicional abaulamento das latas de conservas...

No organismo humano o agente fica alojado no intestino e produz toxinas das mais venenosas imagináveis, alastrando-se pelo organismo. Causa um quadro clínico muito parecido, no seu início, com a encefalite, uma doença diferente. Geralmente não há febre. O botulismo, ao contrário da encefalite, afeta os circunstantes (consumo comum do alimento contaminado), sempre há mais de uma ou duas pessoas doentes.
  
Na Primeira Guerra Mundial  um surto de encefalite  na Inglaterra foi erroneamente identificado como botulismo (em função das restrições alimentares impostas pela escassez e precariedade do abastecimento alimentar). Mas um ano depois, em 1919, no outro lado do Atlântico,  o “The Boston Medical and Surgical Journal”, em sua edição de quinta-feira, 29 de julho de 1920 relatava que “durante a última parte do ano de 1919, numerosos casos de envenanamento, e um grande número de mortes, foram reportadas em diferentes partes do país

O bacilo é um ser anaeróbio.  Desenvolve-se apenas na ausência de oxigênio.
Foi descrito por  Justinus Kerner, poeta e médico alemão,  entre 1817 e 1822, que definiu a doença, estudando 230 vítimas da doença chamada como “doença da salsicha”. Botulismo vem de “botulus”, salsicha em latim. Mais tarde, em 1895 , aconteceu outro surto envolvendo 34 músicos que consumiram um presunto defumado,  numa pequena cidade belga (Ellezelles), após um funeral. A investigação , levada  a cabo por Emile Pierre Ermengem, da Universidade de Ghent,  descobriu que o problema era uma intoxicação pela toxina (envenenamento)  e não uma simples infecção pelo esporo do Clostridium botulinum.

Historicamente o envenenamento alimentar não é novo.  São vários os elementos e situações. Nesse particular, do envenenamento pelos embutidos e alimentos em conserva, já o Imperador de Bizâncio, Leão VI, no século X proibiu oficialmente no seu império, divisor de civilizações e da geografia moderna, a fabricação de lingüiças contendo sangue.

O agente e a doença

O Clostridium tem distribuição farta e universal na natureza. Fica adormecido e só prolifera sob condições adequadas. Na comida em conserva, geralmente há adição de água, para aumentar o conteúdo total, Processos de defumação  e temperaturas maiores, junto com o envazamento a vácuo ou próximo disso – utilização de gordura,  completam as condições ideais para a contaminação do alimento. Evidentemente nesse processo todo há a falta de higiene, a vilã principal.

Clinicamente as toxinas do Clostrídium, liberadas pela colonização no intestino da pessoa,  atacam as junções neuro-musculares com paralisias, sendo a mais importante a paralisia ou falência respiratória (levando a dependência de respirador artificial) e mesmo a morte.

Antibióticos não funcionam contra a doença.

Anti-toxinas produzidas em eqüinos são utilizadas para a neutralização das toxinas.  

Em crianças as anti-toxinas eqüinas são perigosas. Causam anafilaxia e doença do soro (o que também pode acontecer nos adultos...).

Nas crianças  são utilizadas globulinas humanas (“Human Botulism Immune Globulin”) ,  que são anticorpos neutralizantes contra as toxinas A e B (existem 7 toxinas produzidas pelo Clostridium !) obtidos do soro de pessoas saudáveis  (geralmente trabalhadores em serviços de saúde) previamente imunizadas  com o toxóide botulínico pentavalente, um produto biológico devidamente tratado em relação a outros fatores contaminantes.

Bem...  (Well...)

Porque, “mais isso”,  vai mal no País?

Pense o leitor.

Vivemos numa  conjuntura irresponsável de consumo, de estímulo à gastança,
Em nome do desenvolvimento as famílias estão quebrando, consumindo e comprando mais do que podem pagar. Crédito barato para manter a produção?

E a comparação inteligentíssima  e antológica de Rubens Sardenberg resume bem isso:  "Você pode levar o cavalo até a beira do rio, mas não consegue obrigá-lo a beber água"

No rastro disso prolifera uma atividade econômica inflada artificialmente, em todos os setores,  notadamente do consumo alimentício,  em que regras básicas não são muito, digamos, respeitadas ou seguidas.

Junte-se a ignorância histórica do que, por exemplo, já se sabia no século X em Bizâncio  e a “BABEL” está completa.

Imagine...   Explicar onde era Bizâncio???


Fontes complementares:

1-Boston Medical and Surgical Journal Vol CLXXXIII, no. 5, pag 139-140. July, 20, 1920.

2- Arnon, SS et al . Human Botulism Immune Globulin for the Treatment of Infant Botulism. N Engl J Med 2006; 354;5; 462-471.