Com alívio e orgulho o cidadão paulista viu a mobilização (habitual, diga-se com justiça) para salvar uma família vítima de botulismo alimentar em Santa Fé do Sul, uma
cidade na fronteira do Estado. Instituições governamentais estaduais se
mobilizaram para levar rapidamente o remédio aqui produzido, raro e de pouco uso, para uma
intoxicação causada pelo Clostridium
botulinum (e mais raramente pelas variantes: Clostridium butyricum ou C.
baratti).
O botulismo já foi um problema de saúde pública na primeira
metade do século passado. A doença está associada a comida conservada
inadequadamente. Em sua forma máxima, o odor é forte e várias outras evidências
visuais são bastante fáceis de identificar o alimento impróprio. Mesmo o tradicional abaulamento das latas de conservas...
No organismo humano o agente fica alojado no intestino e
produz toxinas das mais venenosas imagináveis, alastrando-se pelo organismo.
Causa um quadro clínico muito parecido, no seu início, com a encefalite, uma
doença diferente. Geralmente não há febre. O botulismo, ao contrário da
encefalite, afeta os circunstantes (consumo comum do alimento contaminado),
sempre há mais de uma ou duas pessoas doentes.
Na Primeira Guerra Mundial
um surto de encefalite na
Inglaterra foi erroneamente identificado como botulismo (em função das
restrições alimentares impostas pela escassez e precariedade do abastecimento
alimentar). Mas um ano depois, em 1919, no outro lado do Atlântico, o “The
Boston Medical and Surgical Journal”, em sua edição de
quinta-feira, 29 de julho de 1920 relatava que “durante a última parte do ano
de 1919, numerosos casos de envenanamento, e um grande número de mortes, foram
reportadas em diferentes partes do país
O bacilo é um ser anaeróbio.
Desenvolve-se apenas na ausência de oxigênio.
Foi descrito por Justinus
Kerner, poeta e médico alemão, entre
1817 e 1822, que definiu a doença, estudando 230 vítimas da doença chamada como
“doença da salsicha”. Botulismo vem de “botulus”,
salsicha em latim. Mais tarde, em 1895 , aconteceu outro surto envolvendo 34
músicos que consumiram um presunto defumado,
numa pequena cidade belga (Ellezelles), após um funeral. A investigação ,
levada a cabo por Emile Pierre Ermengem,
da Universidade de Ghent, descobriu que
o problema era uma intoxicação pela toxina (envenenamento) e não uma simples infecção pelo esporo do Clostridium botulinum.
Historicamente o envenenamento alimentar não é novo. São vários os elementos e situações. Nesse
particular, do envenenamento pelos embutidos e alimentos em conserva, já o
Imperador de Bizâncio, Leão VI, no século X proibiu oficialmente no seu império,
divisor de civilizações e da geografia moderna, a fabricação de lingüiças
contendo sangue.
O agente e a
doença
O Clostridium tem distribuição farta e universal na
natureza. Fica adormecido e só prolifera sob condições adequadas. Na comida em
conserva, geralmente há adição de água, para aumentar o conteúdo total,
Processos de defumação e temperaturas
maiores, junto com o envazamento a vácuo ou próximo disso – utilização de
gordura, completam as condições ideais
para a contaminação do alimento. Evidentemente nesse processo todo há a falta
de higiene, a vilã principal.
Clinicamente as toxinas do Clostrídium, liberadas pela
colonização no intestino da pessoa, atacam as junções neuro-musculares com
paralisias, sendo a mais importante a paralisia ou falência respiratória
(levando a dependência de respirador artificial) e mesmo a morte.
Antibióticos não funcionam contra a doença.
Anti-toxinas produzidas em eqüinos são utilizadas para a
neutralização das toxinas.
Em crianças as anti-toxinas eqüinas são perigosas. Causam
anafilaxia e doença do soro (o que também pode acontecer nos adultos...).
Nas crianças são
utilizadas globulinas humanas (“Human Botulism Immune Globulin”) , que são anticorpos neutralizantes contra as
toxinas A e B (existem 7 toxinas produzidas pelo Clostridium !) obtidos do soro
de pessoas saudáveis (geralmente trabalhadores
em serviços de saúde) previamente imunizadas com o toxóide botulínico pentavalente, um
produto biológico devidamente tratado em relação a outros fatores contaminantes.
Bem... (Well...)
Porque, “mais isso”, vai mal no País?
Pense o leitor.
Vivemos numa
conjuntura irresponsável de consumo, de estímulo à gastança,
Em nome do desenvolvimento as famílias estão quebrando,
consumindo e comprando mais do que podem pagar. Crédito barato para manter a
produção?
E a comparação inteligentíssima e antológica de Rubens Sardenberg resume bem isso: "Você pode levar o cavalo até a beira do rio, mas não consegue obrigá-lo a beber água"
No rastro disso prolifera uma atividade econômica inflada
artificialmente, em todos os setores,
notadamente do consumo alimentício, em que regras básicas não são muito, digamos,
respeitadas ou seguidas.
Junte-se a ignorância histórica do que, por exemplo, já se
sabia no século X em Bizâncio e a
“BABEL” está completa.
Imagine... Explicar
onde era Bizâncio???
Fontes complementares:
1-Boston
Medical and Surgical Journal Vol CLXXXIII, no. 5, pag 139-140. July, 20, 1920.
2- Arnon,
SS et al . Human Botulism Immune Globulin for the Treatment of Infant Botulism.
N Engl J Med 2006; 354;5; 462-471.