quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Embolização da próstata - sensacionalismo

Um do grandes problemas por que passa o  país é a confiabilidade das notícias que recebemos e mesmo a falta de sincronia de alguns órgãos públicos.
É o caso da embolização da próstata, que teve matéria publicada em grande jornal com uma série de incorreções e com a ideia de ser um "ovo de Colombo".
Abaixo a nota oficial da Sociedade Brasileira de Urologia veiculada hoje dia 15 de janeiro de 2014. É contundente, mas é bem clara para quem acompanha e estuda a especialidade.



NOTA OFICIAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE UROLOGIA

PARECER DA SBU SOBRE EMBOLIZAÇÃO PROSTÁTICA:

Em 28 de novembro de 2013, através do parecer 29/13 (1), o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou o procedimento denominado “Embolização Seletiva das Artérias da Próstata” como opção terapêutica em pacientes portadores de Hiperplasia Prostática Benigna (HPB).

Houve grande veiculação do assunto em órgãos da imprensa, não sendo apresentado nenhum posicionamento da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) nestas matérias publicadas.

Desta forma, cabe esclarecer alguns pontos importantes sobre o assunto:
I – LITERATURA MÉDICA E EMBASAMENTO CIENTÍFICO
  • Ao contrário do que foi vinculado na imprensa, a embolização seletiva das artérias da próstata (ESAP) não é uma técnica desenvolvida exclusivamente por médicos brasileiros. Ela já é realizada há muitos anos para tratamento de sangramento maciço tanto da próstata quanto da bexiga.
  • O primeiro relato de evidências de melhora dos sintomas urinários de esvaziamento após embolização arterial seletiva foi feito em 2000 em um paciente tratado por hematúria maciça, porém com seguimento de somente um ano (2).
  • Em 2010 foi publicado um estudo realizado por médicos brasileiros apresentando resultados do tratamento por embolização em apenas dois pacientes (3) Este estudo avaliou somente a redução do volume da próstata, não obtendo os dados sobre resultados clínicos, como escore de sintomas prostáticos (IPSS), qualidade de vida (QOL), fluxo urinário, disfunção sexual e volume residual. Posteriormente o mesmo grupo publicou experiência em 11 pacientes com retenção urinária com resultados preliminares satisfatórios.
  • A maior experiência publicada sobre a técnica foi publicada por um grupo português em 2013 (4). Este estudo avaliou retrospectivamente o resultado da técnica em 238 pacientes comsintomatologia moderada a importante após falha terapia medicamentosa, com seguimento médio de 10 meses. Foram avaliados escore de sintomas (IPSS), qualidade de vida, função sexual (IIEF), urofluxometria, volume prostático e PSA. Houve melhora de parâmetros clínicos, embora pouca melhora nos parâmetros da urofluxometria. Importante ressaltar que apenas 89, 47, 21, 12 e 8 pacientes apresentavam seguimento de 12, 18, 24, 30 e 36 meses, respectivamente.
  • Pesquisa clínica em fase I/II a respeito dos resultados e segurança da técnica está sendo conduzida nos EUA em parceria com o FDA (NCT01924988). Este estudo tem estimativa de término em 2019.
Desta forma, não há na literatura médica estudos prospectivos com alto nível de evidência de demonstrem com eficácia e a segurança da técnica. Todos os dados disponíveis proveem de experiência limitada a poucos centros no mundo, com seguimento muito curto em um número limitado de pacientes. Estes resultados ainda não foram comprovados por estudos randomizados comparativos com a técnica padrão (RTU), nem com grande número de casos que possa, nos fornecer base científica confiável para sua utilização em larga escala, sendo, portanto, realizados no momento exclusivamente de maneira experimental.
II – POSIÇÃO DE SOCIEDADES DE UROLOGIA OU ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS
  • Baseadas em estudos de longo seguimento, randomizados, de alto nível de evidência científica, a ESAP não é recomendada como tratamento em pacientes com HPB em nenhuma circunstância por Sociedades de Urologia, como a Sociedade Brasileira de Urologia, Associação Americana de Urologia e Associação Europeia de Urologia.
  • Recente recomendação da Associação Australiana e Neo-Zelandeza de Urologia recomenda que a ESAP deve ser realizada apenas de forma experimental (5).
  • Recente diretriz do “National Institute of Health Care Excellence”, órgão governamental do Reino Unido, determinou que a ESAP deve ser realizada somente de forma experimental, sempre por equipe multidisciplinar envolvendo urologista e radiologista (6).

III – PARECER DO CFM
  • A SBU não foi consultada em nenhum momento pelo CFM durante a avaliação do processo de aprovação desta nova técnica.
  • O parecer do CFM indica que a ESAP foi definida como de alto risco e complexidade, devendo ser avaliada por 5 anos para que seja plenamente autorizada.
  • O parecer não foi baseado em estudos com alto nível de evidência científica que demonstrem a eficácia e segurança da técnica.
  • Após entendimento da SBU, o CFM realizará em fevereiro de 2014 reunião com a Sociedade onde rediscutirá o tema. A SBU apresentará os estudos e materiais a respeito mostrando que é preciso ainda estudar o procedimento até que sua eficácia e segurança sejam definitivamente comprovadas.
Pelo exposto, a SBU indica que a ESAP não deve ser ainda considerada opção terapêutica em pacientes com HPB, como já transpareceu em reportagens veiculadas nos canais jornalísticos. Seu emprego deve ser restrito a pesquisa clínica até que sua eficácia e segurança sejam definitivamente comprovados.
REFERÊNCIAS
1. CFM. Embolização de artérias prostáticas. 2013;http://www.portalmedico.org.br/brareceres/CFM/2013/29_2013.pdf. Accessed 01/12/2014, 2014.
2. DeMeritt JS, Elmasri FF, Esposito MP, Rosenberg GS. Relief of benign prostatic hyperplasia-related bladder outlet obstruction after transarterial polyvinyl alcohol prostate embolization. Journal of vascular and interventional radiology : JVIR. Jun 2000;11(6):767-770.
3. Carnevale FC, Antunes AA, da Motta Leal Filho JM, et al. Prostatic artery embolization as a primary treatment for benign prostatic hyperplasia: preliminary results in two patients. Cardiovascular and interventional radiology. Apr 2010;33(2):355-361.
4. Pisco JM, Rio Tinto H, Campos Pinheiro L, et al. Embolisation of prostatic arteries as treatment of moderate to severe lower urinary symptoms (LUTS) secondary to benign hyperplasia: results of short- and mid-term follow-up. European radiology. Sep 2013;23(9):2561-2572.
5. USANZ. Position Statement on Prostatic Arterial Embolization for the Treatment of Lower Urinary Tract Symptoms due to Benign Prostatic Hyperplasia 2013;http://www.usanz.org.au/uploads/29168/ufiles/LUTS_SAG_Position_Statement_on_PAE_Final.pdf. Accessed 01/12/2014, 2014.
6. NICE. Prostate artery embolisation for benign prostatic hyperplasia. 2013; guidance.nice.org.uk/ipg453. Accessed 01/12/2014, 2014.



Sociedade Brasileira de Urologia