terça-feira, 4 de outubro de 2011

Os riscos do uso de anabolizantes


O abuso de andrógenos anabolizantes (mais conhecidos como “bombas”) por parte de atletas com a finalidade de aumento de massa muscular tem sido motivo de grandes preocupações de médicos e dos usuários desses medicamentos, quando se veem vítimas dos efeitos colaterais indesejáveis que eles podem ocasionar.

O conhecimento leigo e mesmo da “experiência” de alguns treinadores, instrutores e “usuários experientes” às vezes é superestimado, quando na realidade, é coisa bastante limitada à apenas alguns dos aspectos desses efeitos colaterais. Muitas vezes eles se limitam à ginecomastia (desenvolvimento da glândula mamária masculina) que pode ser ocasionada pelo uso dos andrógenos.

Alguns efeitos indesejáveis, contudo, estão fora do alcance desses “gurus”.

Os andrógenos (hormônios da linhagem masculina, naturalmente produzidos nos testículos, adrenais e também tecido adiposo periférico) na realidade fazem parte de uma grande “cascata” de substâncias químicas relacionadas às várias classes de hormônios e seus precursores em ambos os sexos.

Consequência prática disso? 
Muito simples. Um pode se converter em outro ou num segundo ou terceiro.
Ainda há a possibilidade de o hormônio inibir a sua produção natural ou até estimular um antagonista (um hormônio com atividade oposta).

A bioquímica de cada uma dessas substâncias (e há muitas!) pode ser bastante complicada e não segue um modelo matemático previsível ou aplicável a todas as pessoas igualmente.

O exemplo mais simples é  a própria ginecomastia. Um fato aparentemente paradoxal. Como um hormônio sabidamente masculino pode estimular a mama masculina a assumir contornos femininos?

A dinâmica a que fizemos menção explica isso. O excesso de andrógeno, que não segue uma regra na dose utilizada, mas sim uma resposta individual, pode ser convertido em hormônios que terão esse efeito oposto, até feminilizante.

A inibição dos hormônios naturais e dos seus controladores poderá colocar o testículo em repouso (inibição da glândula hipófise). Muitas vezes pode ser um “repouso” definitivo e irreversível. Há uma para na produção da testosterona natural e mesmo dos espermatozóides que garantem a fertilidade, a capacidade de reprodução da pessoa!

O uso continuado dos esteróides leva à atrofia dos testículos. Na falência do testículo, sem produção da testosterona, cria-se uma dependência total da fonte externa desses hormônios. A reposição hormonal contínua, contudo, pode contornar a parte endócrina, mas não adianta nada para o aspecto reprodutivo. A infertilidade geralmente é irreversível para esses pacientes.

O fígado também sofre em várias de suas funções com a elevação de vários dos marcadores laboratoriais que utilizamos para monitorar a atividade hepática. Hepatites por reações de hipersensibilidade, icterícia e adenomas hepáticos podem ocorrer com o uso prolongado desses agentes.

Na pele, a ocorrência de acne é muito frequente. Geralmente é do tipo mais agressivo (“acne fulminans” e “acne coglobata” – formas extensas em que as erupções costumam se confluir pela vizinhança e profundidade do processo inflamatório da pele). Geralmente são quadros prolongados que costumam deixar cicatrizes ou mesmo assumir um aspecto crônico.

Se o músculo se beneficia do efeito de crescimento fácil (hipertrofia), aumentando a massa muscular, o mesmo não se pode dizer dos tendões e ligamentos. Os anabolizantes esteróides tem um efeito paradoxal nessas estruturas, que ficam mais frágeis e com possibilidade de freqüentes rompimentos.

Por fim, dois sistemas muito importantes em que os efeitos colaterais dos anabolizantes não são muito conhecidos entre os usuários são o sistema nervoso e o sistema cardiovascular.

No primeiro, são claros os efeitos aumentando os distúrbios psiquiátricos que incluem: agressividade, distimia (flutuações importantes do humor), psicose, comportamento criminal, comportamento maníaco, quadros delirantes (de grandeza, euforia, estados confusionais e delírio associado a comportamento criminal). Várias dessas constatações foram feitas com bases em estudos controlados, isto é, estudos em que um grupo de homens recebia doses crescentes de anabolizantes e no outro eles recebiam apenas placebo, sem conhecimento de quem estava recebendo o quê, inclusive os pesquisadores durante o mesmo estudo (o que se chama em pesquisa clínica, estudo duplo-cego).

Várias pesquisas na mesma linha apontam que o uso desses anabolizantes se associa, em proporções enormes, com a dependência mista; tanto do próprio anabolizante; quanto de outras substâncias passíveis de adição (álcool, opióides e outras substâncias) chegando a até 70% usuários.

Já no sistema cardiovascular os efeitos são divididos em duas partes: naqueles diretamente ligados ao coração e vasos e os indiretos,  que vão alterar o colesterol e lípides do organismo. Casos de morte súbita, por infarto agudo do miocárdio, estão relatados em todos os lugares. Geralmente em atletas novos, sem antecedentes de doença cardíaca, totalmente saudáveis, e com uso de altas doses de anabolizantes.

Na autópsia desses pacientes as células do músculo cardíaco estão contraídas e com ruptura das microfibrilas. Também se encontram efeitos do excesso da resposta do sistema comandado pela adrenalina e derivados, bem como aumento do sistema de catecolaminas que afetam a pressão arterial.

Diminuição do colesterol de alta densidade “o que desentope as artérias” é uma constante, aumento do colesterol ruim, aumento dos fatores de coagulação (que facilitam as tromboses e acidentes vasculares cerebrais), aumento excessivo dos glóbulos vermelhos, levando à chamada policitemia (que termina por “engrossar” o sangue) são algumas das consequências do uso indiscriminado de anabolizantes.

O resultado final é que a chance maior de morte prematura por acidentes cardiovasculares nos usuários de anabolizantes é uma constatação em vários e vários estudos pelo mundo todo.

Em resumo, o que a atividade física pode trazer de vida saudável e mesmo prolongá-la é encurtado pelo uso dos anabolizantes.

 
Mais “bonito” e morrendo mais cedo!


Fonte:

Androgen Abuse in Athletes: Detection and Consequences.  Bazaria, S., Boston University School of Medicine, Ma. U.S.A. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism. Vol 95, pgs 1533-1543, ano 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário