segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Gripe - da espanhola à gripe aviária.

Originalmente postado em 4 de Julho de 2008

A Comissão Européia (EC), órgão europeu semelhante ao FDA americano, acaba de licenciar a vacina Prepandrix, produzida pela GlaxoSmithKline, ativa contra todas as cepas virais do H5N1, o vírus da gripe aviária, circulantes na Ásia, Europa e Africa.

Praticamente todos os governos responsáveis estão se preparando para uma pandemia desse tipo de gripe.

A vacina é uma das medidas.

A gripe aviária surgiu na Ásia, em função de um contato muito próximo de humanos e aves (galinhas, gansos) e outros animais domésticos criados, não bem no quintal, mas dentro de toda a casa de locais de baixa renda e baixo desenvolvimento social. Já existe uma epidemia inquestionável entre as aves. Várias e radicais têm sido as medidas adotadas para a contenção dessa disseminação, entre as aves criadas em fazendas da Europa e do resto do mundo. Tem sido notícia constante o isolamento de propriedades e a morte e incineração das aves doentes e suspeitas de contaminação.

Os mecanismos de contaminação não são apenas de aves comercializadas, mas também de aves silvestres que têm os ciclos migratórios intercontinentais.

Também já foram notificados vários casos de transmissão para os humanos e alguns casos de transmissão inter-humanos, apesar da reticência de alguns a respeito dessa última forma de disseminação.

Em medicina e saúde pública, historicamente, existem acontecimentos cíclicos em relação as doenças, notadamente as virais.

A última grande pandemia de gripe (epidemia global) foi verificada no começo do século passado entre os anos de 1918 e 1919 e ficou conhecida como “gripe espanhola”. A referência geográfica provavelmente derivou do fato da Espanha, à epoca fora do conflito da Primeira Guerra, ter notificado uma quantidade alarmante de mortes entre civis, causadas pela gripe, em seu território.

A referência específica aos civis foi em decorrencia de que, poucos meses antes, vários casos já tinham sido relatados em tropas francesas, inglesas e americanas, acantonadas em portos franceses, ao final da Primeira Guerra. Esses casos, que compreenderam a primeira das tres grandes ondas da epidemia, foram mais brandos e não deixaram entrever o que viria após, muito mais grave e letal, inclusive em termos de proporção que a coisa toda tomaria. Mesmo assim houve grande número de baixas nos soldados que haviam saído de um conflito armado, dos mais grotescos, chamado de a “Mãe de todas as guerras” e sobre a qual muitos e muitos juraram nunca mais nada igual acontecer…

O destino, no entanto, foi cruel, em primeiro lugar porque aos sobreviventes restou pela frente a pandemia e mais tarde muitos tiveram seus filhos envolvidos em um novo conflito mundial já em gestação, após o Armistício e na desastrosa República de Weimar que se seguiu, na terra dos vencidos.

O fato é que a pandemia da gripe espanhola ceifou a vida de 20 a 40 milhões de pessoas. A imprecisão dos números se deve à epoca e, seguramente, deve ter superado os 40 milhões de vidas porque aí não está contabilizado nenhum óbito do Oriente ( China e restante da Ásia) onde a gripe grassou violentamente, em igual ou maior intensidade.

Supõem-se , inclusive, que tenham sido chineses, recrutados para trabalhar na retaguarda das tropas americanas, que, dirigindo-se à América, introduziram a gripe em setembro .

A taxa de letalidade foi estimada em 8% , com uma grande prevalência de fatalidade entre os jovens e adultos jovens. O vírus implicado, isolado em 1920, foi o vírus causador da gripe suína .

No Brasil foram estimadas 300 mil mortes, notadamente nas áreas urbanas maiores ( Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas , etc). A pandemia não poupou sequer o presidente brasileiro à epoca, Rodrigues Alves, além de várias outras personalidades da sociedade, entre conhecidas, desconhecidas e esquecidas.

Sobre pessoas esquecidas, vale um parêntesis, nesse aspecto, em relação ao Brasil.
Ao contrário de vários outros países somos pródigos em nomear ruas, praças, avenidas e até cidades, homenageando pessoas que depois são esquecidas e / ou a maioria das pessoas sequer nunca ouviu falar ou nunca sequer procurou saber (o que não se sabe pior).

Vítima da gripe espanhola, entre nós, foi também a Sra. Anália Franco, carioca de nascimento (1853) e responsável pela fundação de mais de setenta escolas e mais de duas dúzias de instituições entre asilos, casas maternais, orfanatos e instituições de ensino. Sim, a mesma Anália Franco que empresta o nome a uma grande e próspera região de São Paulo e por último a um grande centro de compras da mesma região ( e não como outro dia ouvi no Hospital das Clínicas de um paciente jovem que atribuia a nossa “Dama da Educação”, a propriedade do referido shopping….)

Coisas de Brasil, para amenizar o artigo. Voltemos aos fatos.

O outro aspecto da possível pandemia de gripe aviária é que provavelmente a vacina não chegue a todos no mundo todo em tempo. Mesmo com essa arma importante, com certeza o quadro vai exigir sérias ações de planejamento e estratégia por parte das autoridades sanitárias e dos governos como um todo, pois as legiões de doentes vão exigir uma resposta adequada, muito diferente do que as pobres populações do século XX tinham a seu dispor e por clamar.

Questiona-se nos meios científicos a grande quantidade de medicamentos antivirais que seriam necessários. Existem notícias de grandes encomendas de alguns deles por alguns paises mais ricos. É fato patente, todavia, a falta de capacidade para o atendimento de, numa situação hipotética, todos resolverem fazer estoques massivos. Entre os cientístas da área existe uma polêmica sobre a eficácia de agentes antivirais genéricos, como alternativas, que possam atuar na imunidade de quem vier a ser acometido pela doença. Muitos cientístas torcem o nariz para isso, mas o fato é que estão em curso inúmeros estudos sérios avaliando isso.

Um artigo muito interessante saiu no último número da publicação científica The Lancet ( versão de Infectologia).

As estatinas, por exemplo, parecem melhorar a recuperação de pacientes com pneumonia e bacteremia e, teoricamente, teriam o mesmo efeito na influenza ( o nome técnico da gripe e dos virús associados) . Sim, você já ouviu falar de estatinas. São os medicamentos utilizados para a diminuição do colesterol no sangue ( aquele teimoso, que não baixa apesar da dieta e do exercício) . Alguns desses agentes já mostraram a sua utilidade e efeito positivo em ratos infectados com o vírus H2N2.

A cloroquina, um agente antimalárico, também parece ter efeito benéfico no bloqueio do vírus da influenza, por alterações no pH de algumas membranas plasmáticas (endossoma) liberando o vírus em meio inóspito.

Qual a grande vantagem desses medicamentos ?

São remédios baratos, produzidos genericamente por diversos países, inclusive os “em desenvolvimento” e poderão estar disponíveis em grande quantidades tão logo se delineie um quadro epidemiológico mais sério e de grandes proporções.

Como se vê, existem várias alternativas e caminhos que formam um conjunto de ações que podem ser tomadas para, senão prevenir em larga escala, pelo menos enfrentar um risco iminente de saúde pública, como não se vê há um século.

Basta querer, política e financeiramente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário