sexta-feira, 16 de setembro de 2011

HPV - Vacina que salva vidas.

Numa tarde quente de março de 1984, numa pequena sala do CECAN (Centro de Controle do Câncer ) da Unicamp, embrião do que depois viria a ser o Hospital da Mulher, agregado ao Complexo do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas, recebi um convite para participar de um estudo prospectivo.
Em medicina temos os estudos retrospectivos, em que analisamos os dados de pacientes que já foram tratados, operados, etc. , através de seus prontuários, e também desenhamos estudos prospectivos, voltados ao atendimento, estudo e acompanhamento de um grupo pacientes com esta ou aquela doença, durante um certo tempo.

Naquele dia minha colega ginecologista Nadir Oyakawa, que havia recentemente voltado da Europa, propunha-me que estudasse os parceiros masculinos das pacientes atendidas de toda a região de Campinas, cidades satélites e do sul de Minas, portadoras de câncer de colo do útero ou citologia oncótica alterada ( o famoso teste de Papanicolaou). O projeto se chamava CONDINEO, numa alusão à recém-estabelecida relação entre o Condiloma Acuminado ( HPV - vírus do papiloma humano) e a neoplasia, o câncer de colo do útero.
O convite era interessante porque, àquela altura, muito pouco se sabia a respeito do HPV no homem e os conhecimentos sobre o vírus na mulher estavam se firmando. A incidência, no mundo inteiro, explodia.

Aceito o convite, passamos a atender aqueles parceiros, diagnosticando e tratando, ao mesmo tempo em que atendíamos as complicações urológicas das pacientes que já apresentavam o câncer de colo em estágios mais avançados, a fase final da história. Tínhamos alí um contato de ponta a ponta com a causa e o efeito do famigerado HPV.
Hoje passados quase vinte e cinco anos é com grande alegria que vimos se materializar a sonhada vacina contra o inimigo de tantos anos.
Meu filho e minha filha, ambos adolescentes já foram imunizados.
Vez por outra, durante esses anos, eles viram as fotos da doença que o pai utilizava rotineiramente nas suas aulas aqui e acolá. As vezes um livro aberto, uma ajuda nas fotos para digitalizar, um empréstimo de câmera digital aqui e ali. Enfim, muitas vezes essas fotos, à parte o natural susto, tiveram que ser explicadas e cumpriram um papel educativo para os dois.

Agora que a vacina chegou, a torcida fica por conta da sua difusão e de seu acesso nas áreas mais afetadas por essa praga dos nossos dias. Dentro do Brasil temos vários outros Brasis, regiões com grande incidência do vírus, como Recife, a região norte, o nordeste…
Em recente encontro na cidade do México discutiu-se a barreira do custo dessas vacinas, principalmente em países em desenvolvimento, que concentram 80% dos casos de câncer de colo uterino do mundo. O impacto da doença no mundo desenvolvido é menor em termos de câncer, mas continua enorme no aspecto de doença sexualmente transmissível ( as verrugas genitais - o condiloma acuminado) que impõe um grande gasto em termos de saúde pública, não só para as moças mas também para os rapazes que padecem do HPV clínico e são o vetor de transmissão do vírus.

No Brasil, o cobertor curto, das verbas para saúde, leva a um debate estéril entre prevenção tradicional do câncer de colo, com programas de rastreamento do câncer já em suas fases iniciais microscópicas e a prevenção vacinal, incluido aí o aspecto da DST. De um lado o INCA e de outro o Programa de Imunização.
Razão de parte a parte, as duas coisas deveriam coexistir porque as populações alvo são distintas em termos de faixa etária e lembram a passagem bíblica da sabedoria de Salomão com o filho reclamado pelas duas supostas mães.
Aqui, se privilegiarmos apenas o rastreamento do câncer nas moças mais velhas, vamos continuar a ter as filhas dessas cumprindo a mesma sina mais tarde. Serão as rastreadas daqui há alguns anos. Se pendermos apenas para a vacinação das meninas, filhas das que deixarem de ser rastreadas, elas serão salvas do câncer que poderá levar suas mães.
Dilema da pobreza. Esperança da negociação.
Não há produto que resista ao mercado. Se a demanda for grande, com certeza barateiam-se os custos de produção na escala. Talvez os ecos do México despertem vontades políticas concretas nesse sentido, resultando numa ação conjunta dos países envolvidos com o drama.
Vontades políticas verdadeiras e honestas, no que se refere às verbas para a Saúde, que como se vê, vão muito além do que hospitais, postos de saúde e ambulâncias do hoje; envolvem toda uma geração de brasileiros e brasileiras, ou companheiras e companheiros do amanhã !
Quem sabe o cobertor possa então cobrir os pés e a cabeça e ninguém passe frio !

Originalmente postado em 19 de Maio de 2008.

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