segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Trapalhadas com o Câncer de Próstata

Originalmente postado em 24 de Novembro de 2008

Recentemente o Instituto Nacional do Câncer, um órgão federal do Ministério da Saúde divulgou uma notícia colocando em dúvida a eficâcia do rastreamento do câncer de próstata.

Vários equívocos divulgados.

Em primeiro lugar quando se fala em saúde pública os dados demandam estudos de longo prazo em populações grandes, observando o efeito de uma intervenção realizada na rede pública de saúde.

Exemplo bem elementar: todas as mulheres jovens com a faixa de idade X a Y, devem fazer o exame de papanicolaou anualmente para rastrear o câncer de colo numa fase inicial em que seja curável.

Ação - montar um esquema de atendimento à população alvo que possibilite o acesso a esse recurso, desde a coleta, realização do exame, fornecimento do resultado, atendimento dos casos positivos desde os mais simples até os mais complicados e mesmo os casos de câncer avançado.

Durante anos isso deve ser feito com regularidade e com aferição de quanta gente está sendo atendida, quanto isso representa da população real ( cobertura do programa).

Depois de muitos e muitos anos , 5 -10 anos comparam-se as estatísticas de quanto se diagnosticou, em que estágio, quanto se tratou, quanto se conseguiu diminuir de mortalidade, quanto se conseguiu tratar quando o problema era fácil e inicial e, portanto, se limitou a morbidade ( as outras doenças, ou a extensão da doença) . Só então se podem lançar conclusões.

Para que se tenha uma idéia, depois de décadas de cobertura com papanicolaou, agora começa a se esboçar com base em dados de décadas e em vários países, oportunidades de se reduzir o rigor com que se aplica essa rotina. Mulheres mais idosas que se encaixem num perfil muito bem definido, depois de tantos exames negativos consecutivos podem “espichar” o prazo para 3 anos…

Isso com todas as ressalvas geográficas e culturais. Dados do lugar X que podem com segurança serem aplicados no lugar X. Nem sempre podem ser “transplantados” para o lugar Z.

Quando isso acontece normalmente é porque no lugar Z não existe tanta organização assim, que possibilite a obtenção de dados confiáveis nesse nível ( imagine o leitor quais são esses lugares …)

Muito bem, na notícia do INCA foram citados alguns trabalhos antigos relacionados com o rastreamento na população masculina toda, notadamente em pessoas com mais de 75 anos, com apenas um exame, o toque ou o PSA, etc. Ou seja há um viés de interpretação com uma série de fatores que ainda estão sob estudo.

Os fatos

O câncer de próstata, indepedente de ser mais diagnosticado, está ocorrendo mais.

Um em cada 6 homens apresentará o câncer de próstata.

O PSA, apesar da sua faixa de 15% de alguns tumores em que não se eleva, continua sendo útil nos outros 85%. Não apenas uma dosagem mais seu comportamento evolutivo durante os anos de controle.

O toque retal ajuda muito na avaliação da próstata alterada : nódulos, endurações, áreas assimétricas.

O ultra-som é um ótimo meio de avaliar o resíduo pós miccional (avaliando o esvaziamento completo da bexiga), além de determinar o tamanho da próstata com precisão, ano após ano. Isso tudo porque na próstata não existe apenas o câncer mas também a hiperplasia benigna que, apesar de benigna, pode comprometer o fluxo urinário, diminuindo-o e fazendo a bexiga cada vez mais fazer força (contrair-se) para esvaziar a urina. Durante um tempo o músculo vesical se hipertrofia, mas depois começa a perder eficiência e chega a ficar flácido, situação em que não adianta mais operar o canal, reabrindo-o ao fluxo livre de urina.

Fica fácil entender, do ponto de vista pessoal, aquilo que não se aplica numa generalização populacional lastimável, principalmente de um órgão respeitável, que deveria, mas não têm dados tão abrangentes ( e portanto respaldo científico e epidemiológico) para fazer tais afirmações.

Onde estão os estudo populacionais brasileiros de que o rastreamento desse ou daquele câncer é benéfico ou não, deva ou não ser feito na saúde pública ?

Não perca tempo procurando. Eles não existem. Falta de tudo para termos esse tipo de controle sanitário.

Socorremo-nos sempre nos de fora. As poucas iniciativas para mudar esse panorama não ocorrerão partindo de órgãos isolados, da Sociedade Brasileira de Urologia e mesmo de todas as Universidades, sem que haja dinheiro e organização para isso e uma dose cavalar de cultura e cooperação da população.

Os estudos em curso no exterior devem ser publicados em 2012 - 2015.

Até lá você vai se arriscar e abandonar seus exames regulares ?????

Em tempo, o Instituto Nacional do Câncer voltou atrás e reconheceu o seu erro.

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