segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Informação & experiência - a Internet e a Medicina

Originalmente postado em 5 de Março de 2009

O jornal “O Estado de São Paulo” publicou em 5 de março de 2009 um artigo, na sua página 17, muito interessante.

Trata da crescente utilização da Internet como fonte de informação médica pelos leigos e mostra alguns aspectos peculiares.

Em primeiro lugar, questiona prós e contras da disponibilidade de informação nesse meio, o que, pessoalmente nos parece ridículo. A informação disponível é fato real e inquestionável.

Guardadas as devidas proporções qualquer informação técnica, e aqui não falamos apenas de Medicina, sempre esteve disponível depois que Gutemberg inventou a prensa e passaram-se os anos da Idade Média e alguns outros períodos negros, aqui e acolá, em que livros eram proibidos, necessitavam do famoso”Imprimatur” ou mesmo eram censurados ou queimados em praça pública. Ressalvados esses lapsos, qualquer cidadão sempre pode entrar em qualquer livraria especializada e comprar qualquer livro sobre Medicina, Veterinária, Fisica Atômica, Odontologia, etc. Com o advento da Internet eles podem inclusive ser comprados comodamente da casa do sujeito, sem sair de casa.

Do mesmo modo do que ocorre na Internet, existem livros médicos de respeito e livros “pseudo-médicos”, assim como livros de dietas maravilhosas, curas por cristais, ciência superficial, e pelo o que a imaginação de cada um conseguir atingir. Eles estão em supermercados, rodoviárias, padarias, postos de gasolina, etc.

Resumo da questão - a informação sempre esteve disponível; a informação sempre teve o seu lado seguro, confiável e científico contraposto à informação dúbia, com viés pessoal, comercial, de crendices, objeto de proselitismo, etc.

O grande senão, para que não se fizesse uma “farra da informação”, como a reportagem chama a atenção, como um temor que vai se generalizando entre especialistas de todas as áreas, é que para a obtenção dessa informação o sujeito tinha que por a mão no bolso.

Comprar um livro médico bom não custa barato. Se você tem familiaridade com a própria internet veja, por exemplo, quanto custa a “bíblia” da Urologia:
“Campbell-Walsh Urology” da Editora Saunders, na sua última edição, com 4 pesados volumes e 4.000 páginas de texto apenas de urologia.

Num país pobre, como o nosso, a imagem de um leigo comprando um livro técnico que não seja de sua profissão, por pura curiosidade, para saber mais disso ou daquilo é raríssima. No exterior, nem tanto.

O fato, no entanto, é que as pessoas antes de adquirir um livro geralmente se informam sobre a sua qualidade, sua atualização, profundidade, sobre quem escreveu ou editou, etc.

Ninguém, geralmente, quer comprar porcaria, jogando dinheiro fora.

Na Internet o que se vê é a gratuidade de quase tudo. Isso gera uma facilidade horizontal e vertical em todos os sentidos: é fácil escrever, é fácil publicar, ninguém revê, ninguém contesta, a terra é livre.
Pior do que o papel, que pode aceitar qualquer coisa, embora custe imprimir, publicar, distribuir e vender, passando pelo crivo da qualidade detectada pelos leitores, leigos, críticos e especialistas, a Internet pode “dourar” qualquer conceito e “entupir” qualquer um com uma pilha de informação indistinguível em termos de qualidade, origem e veracidade entre outros atributos que assegure que o que estamos “adquirindo”, mesmo gratuitamente, é verdadeiro e genuíno.

Aí mora o perigo. Aí entra a experiência. A Internet não é médico, não é advogado, não é veterinário, não é dentista, não é cientista.

Estude todas as leis, de cabo a rabo e aventure-se numa petição em qualquer tribunal…

Estude toda a Odontologia e compre todos aqueles motorzinhos e brocas, aquela parafernália toda e materiais que o seu dentista tem e …. (quem vai ser sua cobaia ???????)

Agora pegue seus sintomas, seus sinais, consulte-se na Internet veja o remédio “maravilhoso” (geralmente no site do fabricante ou bancado pelo mesmo), complete com um chat ou blog sobre aquilo que você “diagnosticou” e vá até a farmácia da esquina, compre o remédio ( porque aqui no Brasil, compra-se qualquer remédio, em qualquer esquina, sem receita médica) e seja você mesmo a sua cobaia. Parabéns ! Você realmente é um prodígio, um internauta de primeira!

Em tempos de globalização, deixando o sarcasmo de lado, a informação é totalmente compartilhada (exceto os segredos da fórmula da Coca-Cola, dos satélites de guerra, etc), mas a experiência em distinguir a informação, analisar um trabalho científico em todas as suas implicações, ter senso crítico em relação, inclusive, à evolução do conhecimento naquele assunto específico, são insubstituíveis.
Isso sem falar na parte prática da execução de procedimentos, cirurgias, exames especializados, etc.

Por fim o artigo toca de relance num problema muito mais espinhoso da Medicina, particularmente no Brasil: as consultas de 15 minutos.

Isso sim merece uma reflexão muito mais profunda do que tudo o que possa existir de porcaria e de má qualidade em informação de saúde na web.

Trata-se de uma situação hipócrita que, certamente, não vamos resolver aqui nesse simples artigo que algumas poucas pessoas vão ler.

Hipócrita de todos os lados.

De um lado médicos que se sujeitam a receber R$ 15 ou R$20 por uma consulta médica ou R$ 100 ou R$ 150 por uma cirurgia, geralmente 40 a 50 dias depois de realizado o serviço.

De outro pacientes que pagam alguns planos de saúde valores irrisórios diante do que custa a Medicina que todos querem ( e aqui não estou falando de consultas e cirurgias apenas, mas do que custa na ponta do lápis um equipamento de ultra-som, uma máquina de hemodiálise, um dia numa UTI, um tomógrafo e assim por diante). Nunca ouvi ninguém dizer que o seu convênio médico era barato.
Sei que alguns são realmente bastante caros, mas cobrem a Medicina de ponta.

Salvo as honrosas exceções, o que assistimos hoje é uma situação bastante perversa: o paciente precisa do cuidado médico. A prática médica custa. O médico está insatisfeito ( talvez por R$ 15 ou R$ 20 fosse melhor aprender a cortar cabelos e colocar um salão de beleza bem bonito, sem riscos de acidentes, de erros, dinheiro na mão ao final do serviço…). Do outro lado o paciente fica insatisfeito, não consegue falar tudo em 15 minutos, não tem aquele atendimento humano, interessado. Tem apenas um exame físico sucinto e um monte de exames de laboratório e imagem para fazer.

Entre os dois infelizes e insatisfeitos, com aquelas exceções que já mencionei, está o plano de saúde e os laboratórios diagnósticos que cada vez ficam mais ricos…

Pense a respeito. Algo não está certo.
Pense no que exigimos e de quem exigimos.

Há 25 anos atrás, quando eu entrava em uma sala de cirurgia os aventais eram de algodão (brim) bem grosso, auto-clavados para sua esterilização ( calor úmido sob altíssimas pressões) e portanto reaproveitáveis, como muitas outras coisas que não eram utilizadas necessariamente “dentro” da cirurgia, “dentro” do paciente e eram de uso permanente, como ainda são os instrumentos cirúrgicos metálicos, as pinças, tesouras, clamps, etc. Hoje, no entanto, tudo ficou descartável, tudo é TNT (tecido não tecido) e mais uma infinidade de materiais, geralmente importados.

Quando a tecnologia permitiu e a necessidade da boa prática pediu que agulhas e seringas fossem descartáveis, todos ficamos contentes. Era uma necessidade básica e racional.

Por outro lado a “febre” do uso único e do descartável se generalizou de maneira irracional. Houve um exagero muito grande em várias coisas, não só, mas principalmente, dentro de uma sala cirúrgica. Muitas coisas não precisam necessariamente ser descartáveis e tão sofisticadas, encarecendo sobremaneira a medicina que praticamos. Há maneiras muito seguras de processamento e esterilização perfeita de muitos materiais.

Na realidade criou-se uma indústria bilionária com isso. É a indústria de material de saúde
Se você acha que isso de “tudo descartável” está perfeitamente certo e que isso traz mais segurança, desculpe mas há aqui um engano. Desse engano nasce uma conta que você e eu não podemos pagar e que literalmente “azeda” na ponta do lápis a conta da saúde.

É mais ou menos todo mundo querer andar de Mercedes Benz 700 para ir ao trabalho e depois não sobrar quase mais nada para as coisas “triviais” do nosso dia a dia.

São luxos que desequilibram a distribuição equânime das coisas. E isso não ocorre apenas no setor de saúde suplementar, ocorre também no serviço público em que a gestão dos recursos privilegia a medicina de ponta, em algumas “ilhas de excelência” , enquanto o “arroz com feijão”, o atendimento básico, é apenas o prato diário dos jornais e telejornais, com seus absurdos e carência crônica.

Honrosas exceções à parte novamente, porque será que todo mundo quer fazer transplante hoje em dia ???? Ou, há algum tempo atrás, todo hospital queria ter a sua Cirurgia Cardíaca, Setor de Hemodiálise, Cirurgia Ortopédica, Tomógrafo e Ressonância Magnética…

São procedimentos muito bem remunerados pelo SUS. Isso e tão somente isso.

Quem ler
“O Séculos dos Cirurgiões” vai aprender muitas curiosidades médicas sobre a evolução da medicina e cirurgia. Nós, os cirurgiões, somos descendentes dos barbeiros, que com suas habilidades com as navalhas fizeram as primeiras cirurgias, amputações, etc. , valendo a rapidez e precisão.
No andar atual da carruagem, logo vamos voltar as nossas origens aqui no Brasil.

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