sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O óleo de Lorenzo, doenças raras e esquecidas: os órfãos da medicina.

Se você anda cansado das grandes explosões do cinema, de todos os tiroteios infindáveis e de outras pataquadas do cinema, dê uma folga e reveja um filme de 1992, dirigido por George Miller, premiado pelo Oscar e Globo de Ouro de 1993, com uma bela atuação de Susan Sarandon, na mãe de uma criança, filho único, que de repente recebe um diagnóstico muito raro de Adrenoleucodistrofia, um distúrbio dos lípides (óleos e ácidos graxos do nosso metabolismo, das gorduras intra-celulares). Situação em que vai se depositando nas células, especialmente do cérebro, destruindo a sua bainha de mielina, uma capinha isolante de nossas células nervosas, dois ácidos graxos de cadeia longa ( molécula grande com muitos carbonos).

O filme narra a história verdadeira de Lorenzo Odone um menino de 6 anos, cujos pais obstinados não aceitaram que essa doença não tinha cura e nem tratamento.
Um menino que viveu mais 24 anos após o terrível diagnóstico e morreu no último dia 30 de maio, aos 30 anos, de pneumonia.
A teimosia de seus pais, e depois, de um neurologista (Hugo Moser) e uns poucos médicos, “esticou” a vida desse moço por pelo menos mais 20 anos do que é previsto nesses casos, sem o tratamento realizado.
Uma teimosia que ensinou uma lição a Medicina e aos médicos, relembrando-lhes a necessária humildade e a indispensável chama da esperança que deve permear a profissão.
Diante do desafio, essas pessoas se atiraram sobre livros e mais livros de bioquímica e química pura. Debruçaram-se sobre os mecanismos da doença, representados pelo excesso de dois ácidos graxos saturados, de cadeia longa, responsáveis pela desmielinização dos pacientes com esse distúrbio. Descobriram que uma proporção de 4:1 de de gliceril trioleato e gliceril trierucato, outros dois óleos, poderiam diminiuir as concentrações plasmáticas do lípides “ruins” quando administrados por via oral.

Tiveram a coragem de administrar essa substância, que aos ratos de laboratório era fatal, mas que aos humanos não apresentou problemas. Enfrentaram o descrédito, o ceticismo e a falta de cooperação de boa parte da comunidade científica procurada para ajudar.
A doença de Lorenzo é uma doença rara, ligada ao cromossomo X, que afeta 1 em 20.000 homens. Não fosse pela obstinação da familia e de um pequeno grupo de médicos liderados por Moser, essa seria apenas mais uma das doenças consideradas orfâs da Medicina, conforme chamou a atenção The Lancet, em pequeno editorial de 14 de junho desse ano.
As doenças orfãs são, caracteristicamente, marcadas por alguns pontos em comum :

* falta de pesquisa;
* poucos ou nenhum tratamento em desenvolvimento;
* poucos recursos de pesquisa;
* nenhuma atenção pública e
* completa dependência de grupos organizados para reinvidicar atenção.


Engana-se quem pensa que isso é raríssimo e se restringe a doenças raras a ponto de Holliwood se interessar e fazer dinheiro. Existem muitas doenças nessa mesma vala comum. Muitas vezes o drama é vivido aleatoriamente por quem menos espera.
Se ainda acrescentarmos algumas doenças regionais, principalmente algumas infecciosas, totalmente negligenciadas, vamos ter uma dimensão maior do problema.
Não, não pense apenas na África e Ásia, meu amigo. Sim pense aqui mesmo. O que outrora eram as doenças tropicais, têm se tornado um pesadelo para a America Latina.
A edição de 21 de junho do British Medical Journal traz uma pequena notícia de que duas organizações de pesquisa da França ( Drugs for Neglected Diseases e o Institut de Recherche pour le Développment anunciaram um trabalho conjunto para o desenvolvimento de novos medicamentos para o tratamento da Doença de Chagas e a Leishmaniose, duas pragas que grassam entre nós.

Iniciativas como essa devem ser saudadas pois, se de um lado é compreensível o custo astronômico do desenvolvimento de um fármaco até que ele possa efetivamente ser comercializado, por outro lado a sociedade, incluindo as empresas farmacêuticas, deve se organizar para que essas doenças esquecidas sejam devidamente “lembradas” e pesquisadas. Esse ônus deve ser abarcado por todas as nações, hoje globalizadas, e, principalmente, por aquelas diretamente envolvidas com os problemas regionais. E há várias maneiras de se prover esse fomento científico, que não apenas com investimentos diretos, mas também com incentivos na carga fiscal e mesmo na criação de uma política e um cultura voltada ao investimento em pesquisa.

Talvez seja chegado o momento de, a exemplo das leis de incentivo cultural, a pesquisa também possa ser brindada com uma “Lei Rouanet” que a Cultura já tem.
A pesquisa médica é uma das bases da “Saúde” que hoje se encontra em todas as conversas e até na boca de quem nada dela entende. É através dela que o conhecimento é gerado e aplicado, servindo de base para a melhoria de tratamentos, percepção de peculiaridades regionais das diversas populações do país, aliando a cultura e os recursos naturais, barateando estruturas, fomentando know-how próprio e por fim atendendo as necessidades próprias do país, sem que se precise sair quebrando patentes e utilizando-se de outros expedientes mal vistos pela comunidade internacional.

Originalmente postado em 25 de Junho de 2008.

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