segunda-feira, 19 de setembro de 2011

PSA, Rastreamento do Câncer de Próstata e Mortalidade

Originalmente postado em 20 de Março de 2009

Regularmente alguns estudos científicos são divulgados e causam grande celeuma nos meios científicos e, mais frequentemente, no cidadão fora da área da saúde.

Em primeiro lugar os estudos são necessários e, infelizmente, nenhum é definitivo ou mesmo cristalino com uma verdade única. A Medicina tem um aforisma muito difundido que diz que ela, Medicina, é a ciência das verdades transitórias.

A ciência só progride com questionamentos. No caso do Câncer de Próstata, foram divulgados na segunda semana de março dois estudos epidemiológicos ( estudos que acompanham populações, geralmente divididas em dois ou tres grupos) em que se fez ou não algo. Por exemplo, usou um remédio, fez um exame e o outro grupo não tomou o remédio, não fez o exame.

Esses dois estudos, um americano e outro europeu, com aproximadamente 70 mil homens no primeiro e 162 mil no segundo, chegaram a resultados conflitantes em relação à pergunta;

Fazer exames preventivos para o câncer de próstata diminui a mortalidade por esse tipo de câncer ?

O primeiro disse que não e o segundo disse que sim, que reduz em 20%.

Ambos os estudos estão com 10 anos. Sim, estão, porque ainda continuam. Numa doença que pode ter uma evolução tão longa quanto 20 anos, para que o estudo seja válido não pode ter a metade da duração dos eventos que estão sendo estudados !

Esse é o primeiro viés, que você leigo esclarecido, tem que levar em consideração quando vê uma notícia dessas. O outro problema, extremamente sério em pesquisa, é o método. Ele deve ser muito cuidadoso para que interferentes outros não nos façam chegar a conclusões falsas: por exemplo, se formos considerar, hipotéticamente, que vamos seguir uma multidão de jovens durante 15 anos para saber se o consumo de um refrigerante X pode causar câncer, não adianta simplesmente comparar quem tomou o refrigerante com quem tomou só água. Imagine que esses dois grupos terão que comer as mesmas coisas, pois se houver uma associação na qual a maioria de quem toma refrigerante come sanduíche de presunto e quem toma água geralmente come mais sanduíche de queijo ou qualquer outro sanduíche, no final o vilão pode ser o sanduíche de presunto e não o refrigerante. Pode ser o gás e não o xarope X ou Y do refrigerante. No meio do caminho também teremos, infelizmente, aqueles que terão cânceres que vem se repetindo, de geração em geração, na sua família. Enfim, não é preciso se alongar muito para mostrar o quão difícil é fazer uma pesquisa dessas.

No caso do estudo americano, ainda podem ser apontados dois deslizes técnicos importantes: no grupo que fazia os exames regulares foram incluidos pacientes que já tinham câncer sabido e, no outro grupo, foram incluidos alguns pacientes que fizeram os testes por conta própria e foram tratados durante o estudo. Isso, em pesquisa séria e rigorosa, significa que aquele caso tem que ser descartado da análise final, quando se faz a estatística final para a análise dos dados e concluir alguma coisa.

Por fim, mesmo que a mortalidade não se altere, é bem claro o benefício de tratar um câncer precocemente ao invés de um câncer avançado. Câncer de próstata, deixado ao natural ( por isso falamos em história natural da doença), evolui para a formação de uma tumoração grande, invadindo a bexiga e o reto, com sangramentos, dificuldade de micção, insuficiência renal, dificuldade de evacuação e também a formação de metástases em outros lugares (pelo desprendimento de algumas células do tumor, caindo na circulação sanguínea e linfática, indo parar em outros órgãos , onde começam a crescer). O câncer de próstata vai para os ossos, causando dores ósseas quase intratáveis, fraturas patológicas pela substituição do osso forte por tecido canceroso mole; vai para o cérebro, para o fígado e outros lugares menos frequentes. O tratamento do câncer avançado também causa impotência ( se é que o estado geral e as dores permitem ao infeliz paciente, nesse estágio, pensar nisso….), tudo isso, que somado ao que já foi dito, propicia uma qualidade de vida bastante ruim.

Dessa maneira, há que se ter muito cuidado na interpretação dos trabalhos científicos. Os achados devem ser repetidos em outras áreas do mundo, não só para confirmação, o que é essencial, mas também para testar as diferenças geográficas, culturais e econômicas. Um exemplo clássico, em relação ao próprio câncer de próstata é a sua baixa incidência na Ásia, notadamente no Japão, onde se consome muita soja, rica em fitoesteróides, em comparação com a alta incidência desse câncer na América do Norte, principalmente entre os afro-americanos, que têm mais testosterona que os caucasianos e, onde todas as raças e “tribos”, consomem mais gorduras na dieta. Um japonês, quando se muda para a América e assume os hábitos alimentares americanos, vai apresentar a mesma predisposição ao câncer do que os americanos que lá já estão.

Para finalizar, um pouco de sabedoria popular e cautela. Quem vai querer ser “cobaia” voluntária, correndo por fora do estudo e pagando para ver, daqui há uns dez ou quinze anos, se vale a pena ou não fazer a prevenção ???

Você ?

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